O que transforma as abelhas em assassinas?

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Os bioquímicos rastrearam as substâncias químicas cerebrais que fazem das chamadas abelhas assassinas tão ferozes. Os compostos, que parecem estar presentes em níveis mais altos na muito temida abelha africanizada, podem fazer com que abelhas menos agressivas se tornem ferozes, de acordo com um novo estudo. Os compostos também podem desempenhar um papel na agressão em outros animais – na verdade, eles já demonstraram isso em moscas de frutas e camundongos.

“Este é outro exemplo de como o comportamento evolui em diferentes espécies usando mecanismos moleculares comuns”, diz Gene Robinson, entomologista e diretor do Instituto Carl R. Woese de Biologia Genômica da Universidade de Illinois em Urbana, que não esteve envolvido no trabalho.

As abelhas são incrivelmente territoriais, lutando até a morte para defender sua colmeia com picadas dolorosas. Mas as abelhas assassinas – híbridas da linhagem europeia relativamente dócil de abelhas e um parente africano mais agressivo – são particularmente ferozes. As híbridas surgiram depois que as abelhas africanas foram importadas para o Brasil na década de 1950. Na década de 1980, elas se espalharam nos Estados Unidos, superando as abelhas residentes ao longo do caminho. Seus ataques maciços mataram mais de 1000 pessoas.

Mario Palma, bioquímico da Universidade Estadual Paulista em Rio Claro, Brasil, que estuda o comportamento social das abelhas, queria entender a base dessa agressão. Então ele e seus colegas balançaram uma bola de couro preta em frente a uma colmeia de abelhas africanizadas e recolheram as abelhas cujos ferrões ficaram presos na bola durante o ataque. Eles também coletaram abelhas que permaneceram na colmeia. Eles congelaram os dois aparelhos, cortaram seus cérebros e analisaram as fatias com uma técnica sofisticada que identifica as proteínas e mantém o controle de onde elas estão em cada fatia. A análise revelou que os cérebros das abelhas têm duas proteínas que – nas abelhas agressivas – rapidamente se quebraram em pedaços para formar o chamado “neuropeptídeo“, eles relataram esta semana no Journal of Proteome Research.

Palma e seus colegas já sabiam que os cérebros das abelhas tinham essas duas proteínas, a alatostatina e a taquicinina. “A surpresa veio quando identificamos alguns neuropeptídeos muito simples, que foram produzidos em poucos segundos” depois que sua equipe balançou a bola e provocou o ataque, diz Palma. As abelhas que permaneceram na colmeia não produziram esses neuropeptídeos, ele relata. E quando sua equipe injetou essas moléculas em abelhas jovens e menos agressivas, elas “se tornaram agressivas como as mais velhas”.

Pesquisadores descobriram essas moléculas em outros insetos, onde parecem regular a alimentação e a digestão. Mas poucos as associaram ao comportamento agressivo, diz Palma, acrescentando que elas também aumentaram a produção de energia e produtos químicos de alarme. As moléculas também poderiam estimular as células nervosas nas abelhas necessárias para coordenar o ataque pungente. “Há uma boa regulação bioquímica no cérebro das abelhas”, diz ele.

Os estudos preliminares de Palma indicam que as abelhas africanizadas produzem mais desses neuropeptídeos do que as outras abelhas. Sua equipe espera, eventualmente, usar esses insights para desenvolver uma maneira de proteger as pessoas dessas abelhas assassinas, talvez através de um spray ou plug químico que pode ser aplicado a uma colmeia.

Os estudos também podem aprofundar a compreensão de como a produção de vários neuropeptídeos regulam o comportamento não apenas em insetos, mas também em pessoas, sugere Palma. “Na neurociência, ainda há uma grande lacuna entre a compreensão de como vias moleculares e circuitos neurais trabalham juntos para regular o comportamento”, diz Robinson. Este trabalho apresenta “uma ótima maneira de colmatar esta lacuna”.